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Projeto do Rodoanel é questionado em audiência na Câmara de Contagem

26 de abril, por Leandro Perché

Está um curso, em Minas Gerais, o processo para a implantação de um Rodoanel Metropolitano de cerca de 100 km passando por várias cidades no entorno de Belo Horizonte. O polêmico projeto utiliza recursos da ordem de R$ 3 bilhões provenientes do acordo do Governo do Estado com a Vale, como reparação de danos causados pelo rompimento da barragem em Brumadinho.

Vários municípios, entidades e comunidades reclamam, desde o ano passado, da falta de diálogo, de possíveis irregularidades no processo, e dos prováveis impactos sociais e ambientais de uma obra dessa magnitude. Com o objetivo de dar voz aos envolvidos e unir forças na busca de soluções para a questão, a Câmara Municipal de Contagem realizou, na tarde da última segunda-feira (25/04), uma audiência pública para debater amplamente o tema.

Solicitado e presidido pela vereadora Moara Saboia (PT), o encontro contou com a participação do presidente do Legislativo de Contagem, Alex Chiodi (Solidariedade), e do vereador Daniel do Irineu (PP); do deputado federal Rogério Correia (PT); da deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT); de representantes das prefeituras de Contagem e de Betim; de representantes de outros municípios; de movimentos ambientais e sociais; e de moradores de bairros de Contagem que serão mais afetados pelo projeto.

A vereadora abriu a audiência lamentando a ausência do Governo do Estado e contextualizando o assunto. Segundo ela, “a proposta do Rodoanel é polêmica por vários motivos, inclusive por utilizar o dinheiro do crime socioambiental da Vale em Brumadinho para causar mais prejuízos socioambientais nos municípios do cinturão metropolitano, ademais, por apresentar uma série de irregularidades no processo, como falta de consulta prévia aos povos e comunidades tradicionais atingidos, a falta de licenciamento ambiental e por realizar audiências públicas sem a presença da sociedade civil”.

Moara Saboia acrescentou que as prefeituras de Contagem e de Betim se posicionaram contra o traçado proposto e solicitaram embargo ao projeto, devido a possíveis impactos do Rodoanel na bacia da Vargem das Flores – o que não foi acatado pelo Tribunal de Contas do Estado. Ela ainda questionou o valor investido no projeto; o prazo de concessão – de 30 anos, com a recuperação dos valores investidos em apenas dois anos, com a cobrança de pedágio; e problemas na licitação, que foi adiada para o dia 28 de julho.

Problemas comuns

Os representantes das prefeituras de Contagem e Betim destacaram que o Rodoanel representa problemas que são comuns a todos os municípios. Luiz Ronaldo Carvalho e Guilherme Carvalho reclamaram da falta de diálogo do Governo do Estado; da discordância dos municípios com o traçado proposto, por cortar bairros ao meio, requerendo desapropriações, e pelo projeto atingir comunidades tradicionais e o manancial de Vargem das Flores.

“Não somos contra o Rodoanel, porque ele pode ser importante para desafogar o trânsito do Anel Rodoviário, mas somos contra o seu traçado atual, que pode causar grandes impactos socioambientais, sobretudo em Vargem das Flores. É preciso que o Governo do Estado ouça a população dos municípios, ouça os prefeitos, para chegarmos a um denominador comum, pois do jeito que está é um crime”, sintetizou Luiz Ronaldo, da secretaria de Governo de Contagem.

No mesmo sentido, Guilherme Carvalho lembrou que Betim apresentou um traçado alternativo, que foi bem aceito pelos outros municípios, mas rechaçado pelo Governo de Minas. “É um projeto de trás para frente, apresentado sem impacto ambiental e sem estudo topográfico, mas que já tem preço de pedágio – de R$ 0,34 por quilômetro rodado por eixo, quando outras rodovias cobram R$ 0,14. Em dois anos de concessão, a empresa vai recuperar o investimento da obra, e já sabemos quem vai ganhar, quem vai fazer, pois todas as concessões dessa gestão tiveram o mesmo grupo vencedor”, denunciou.

Os vereadores de Contagem pontuaram a necessidade urgente da regularização fundiária para as regiões afetadas pelo projeto, e afirmaram que a Câmara Municipal tem buscado um movimento para garantir que os moradores de bairros como Nascentes Imperiais e Estâncias Imperiais, entre outros, não sejam prejudicados pelas desapropriações.

“Temos um problema em Contagem que são várias regiões não regularizadas, incluindo bairros envolvidos no traçado do Rodoanel. Para além dos problemas que teremos com as indenizações, não podemos permitir que moradores que construíram toda uma história no local tenham que deixar suas casas sem receber nada por isso, por falta de documentação. Precisamos acelerar a questão da regularização fundiária em nosso município”, destacou Alex Chiodi.

Representantes das alças oeste, norte e sul apresentaram problemas similares do projeto nas regiões em relação ao traçado, como a passagem por bairros residenciais, empresas, cemitérios, institutos, matas, áreas de preservação permanente (APP), áreas de mananciais, entre outras dificuldades que poderiam inviabilizar o licenciamento ambiental. Alguns, inclusive, questionaram os benefícios para o trânsito e a mobilidade, e sugeriram o uso do recurso para a revitalização do Anel Rodoviário e investimento no metrô.

Comunidades tradicionais

Outras questões comuns entre os municípios se relacionam ao impacto do Rodoanel em comunidades tradicionais. O professor João Pio, da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania de Contagem, destacou que, embora o projeto vá afetar várias comunidades tradicionais, nenhuma delas foi consultada sobre a obra, conforme obriga a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que trata dos povos indígenas e tribais.

“O Estado, o legislador, o gestor, antes de executar uma política pública, elaborar uma legislação ou desenvolver um empreendimento, precisa consultar as comunidades tradicionais, de forma livre, informada e de boa fé, para que essas comunidades possam tomar uma decisão sobre isso. E, no caso do Rodoanel, não houve diálogo com nenhuma comunidade tradicional”, explicou o especialista, acrescentando que vários terrenos e terreiros serão atingidos, e que essa jurisprudência tem impedido outros empreendimentos pelo Brasil.

Com base nesse argumento, da falta de oitiva prévia da comunidade quilombola dos Arturos, inclusive, a Prefeitura de Contagem informou que está entrando com uma ação contra o referido edital no Ministério Público Federal.

Vários participantes apontaram que outras comunidades tradicionais também seriam afetadas, como a dos Pinhões e a Manzo Ngunzo Kaiango, em Santa Luzia; a Nossa Senhora do Rosário, em Ribeirão das Neves; a Mangueira, em Belo Horizonte; e a comunidade Pimentel, em Pedro Leopoldo.

Ações Legislativas

Os deputados presentes apresentaram as ações realizadas na Câmara Federal e na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) com o objetivo de questionar o projeto, esclarecer seus detalhes e paralisar o processo, diante de possíveis irregularidades e prováveis impactos socioambientais da obra.

O deputado federal Rogério Correia opinou que “esse Rodominério tem o pecado original de ser um prêmio para uma empresa que cometeu crimes em Minas, a Vale, além de outras mineradoras, que vão ganhar um anel rodoviário para que passem seus caminhões repletos de metais valiosos e enriqueçam ainda mais. Ela comete um crime, finge que está pagando por ele com R$ 3,5 bilhões, e constrói algo que vai render muitos bilhões mais”, resumiu.

O parlamentar entregou à vereadora Moara Saboia o relatório da CPI de Brumadinho, da qual foi relator em Brasília, destacando que esse trabalho embasou a aprovação de dois projetos de lei na ALMG relacionados à gestão e ao apoio aos atingidos por barragens. Citou, ainda, a formação da Comissão de Acompanhamento na Câmara Federal em relação ao acordo com a Vale e o processo do Rodoanel, que foi responsável por questionar o projeto e por apresentar representações contrárias ao edital no Ministério Público. Apresentou, ainda, um documento com todas as irregularidades do processo.

“Já está sendo avaliada a abertura de um inquérito civil público para apreciar as irregularidades no projeto do Rodoanel Metropolitano. E sugiro a formação de uma comissão para acompanhar esses processos no Ministério Público. Também solicitamos que sejam adotados processos administrativos e judiciais para suspender o processo licitatório em curso”, concluiu o deputado, destacando que tudo será apresentado em ação no MP no dia 06 de maio.

Representante do Legislativo estadual, a deputada Beatriz Cerqueira criticou “a gestão privatista” do Governo do Estado, principalmente em relação aos editais e às contratações, e se colocou à disposição para lutar contra o projeto do Rodoanel. Destacou que, na ALMG, tentou, junto com outros deputados, retirar o Rodoanel do crédito suplementar, para beneficiar o Anel Rodoviário, mas a emenda foi derrubada; posteriormente, realizou três audiências públicas e uma reunião especial, para denúncia, debate a apresentação de alternativas.

O próximo passo, segundo ela, será ampliar as discussões, com debates localizados nas regiões que serão atingidas pelo Rodoanel, com o objetivo de fortalecer o movimento para impedir o avanço do projeto. “Queremos um projeto inclusivo, que atenda ao povo e não às mineradoras e ao sistema financeiro. Sempre convidamos o governo para as audiências públicas, e, caso não sejamos atendidos, vamos convocá-los para esclarecimentos”, concluiu.

Encaminhamentos

Após as manifestações populares, principalmente de moradores dos bairros Estâncias Imperiais e Nascentes Imperiais, a vereadora Moara Saboia anunciou uma série de encaminhamentos derivados do encontro.

Uma delas é a criação de uma comissão do Legislativo de Contagem para acompanhar o processo no Ministério Público. Ela prometeu também construir uma audiência pública ampla junto com a ALMG com a convocação do Governo do Estado. Além disso, se comprometeu a realizar reuniões locais para informar as comunidades sobre os impactos do Rodoanel em suas vidas. E, por fim, garantiu a mobilização da Câmara e da Prefeitura de Contagem pela regularização fundiária, principalmente, dos bairros envolvidos no projeto.

“A síntese é que estamos em um processo de resistência em todas as instâncias, para irmos adiando e interrompendo o processo. Com as falas dos municípios e dos deputados, conseguimos perceber várias denúncias e irregularidades no projeto e que ele não vai beneficiar a nossa população. O transporte e a mobilidade são questões importantes, mas que estão sendo usadas para construir narrativas positivas sobre o Rodoanel, que vai, na verdade, ter graves impactos sociais e ambientais. Vamos continuar lutando para a construção do diálogo e para fortalecer essa agenda”, concluiu Moara.

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